Pages

  • Twitter
  • Facebook

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Capítulo III: Paz, perdão e paixão- primeira parte: Paz

Nenhum comentário:
 

  Movido pela fome, resolvi ir até o supermercado comprar alguma coisa para comer. Estava anoitecendo e esfriando após um dia muito quente, situação típica de São Carlos reforçada por promessas de chuva não cumpridas. No caminho, ainda estava me recordando da conversa com o senhor Carlos e lembrei que ele havia dito sobre um casal que morava próximo ao ponto em que ele se encontrava. Inspirado, decidi procurá-los.
  Em baixo de uma árvore, sobre um pano xadrez, conversava tranquilamente um casal de namorados. Ela, pele branca. Ele, pele negra. Ela, loira e olhos azuis. Ele, moreno e olhos castanhos. Cheguei mais perto e, ao explicar meu projeto, sentei-me para ouvir mais histórias. A mulher se chama Edna e tem 41 anos, é a ela a quem dedico essa primeira parte. 
  Paranaense, mas criada em Rondônia, Edna começou a trabalhar cedo, desde os 12 anos de idade. Passou por vários empregos acumulando 17 anos de carteira registrada. Sempre muito estudiosa, passou em primeiro lugar em Direito na UNIP (sonhava em ser promotora), e se recordava orgulhosa de como era boa em matemática e literatura. Citou Macunaíma, de Mário de Andrade, e disse que acertou no vestibular as questões sobre esse livro, um feito para poucos. Edna, contudo, não chegou a cursar a faculdade. Devido a problemas familiares e sua passagem na prisão, por motivos que não quis esclarecer, foi parar nas ruas. Sobre sua família, deu apenas a entender ter se sentido sempre a mais menosprezada dos irmãos, desde pequena. Contou que quando fazia alguma coisa errada, sua mãe mandava seus três irmãos agredi-la como forma de castigo.
  Durante a conversa, falou um pouco em espanhol e disse ter feito um curso de alemão, mas não sabia mais falar o idioma em razão da falta de prática. Mesmo assim, perguntou-me “wie heißen sie?” “Ich heiße, Gabriel”, respondi. 
  Para Edna, o maior bem do ser humano é a paz no coração. Paz que supera qualquer conquista material, como pode constatar em sua própria trajetória de vida. Já teve carro novo, boas roupas, moto nova. Nada lhe faltava. “Eu conquistei muito e acabei não conquistando nada”, disse. Hoje, para conseguir o mínimo para comer e beber sua cachaça, vende (com dificuldades) rosas artesanais com seu namorado.
  O vício em bebidas começou há anos atrás. “Eu chegava do serviço e tomava uma cervejinha todo dia. Todo dia. E depois a cervejinha foi ficando fraca…” E em seguida completou: “No Brasil não é a droga que é o problema, é a cachaça.” O alcoolismo a desestruturou por completo, e é essa estrutura que demonstrou buscar em seu discurso. “Eu acho que tudo o que eu precisava de volta era meu trabalho.” Mas é muito complicado se reestabilizar. Mesmo havendo albergues, Edna disse que eles só podem ficar no local por três ou quatro dias, tempo curto demais para qualquer tentativa de retomar as rédias da própria vida. “O problema do adicto é a falta do emprego, das oportunidades.” Ainda com todo esses pesares, pudemos rir um pouco quando disse que nasci em Pirassununga. “Aô, terra da pinga 51!”, brincou.
  Pedi à Edna um conselho de vida, gostaria de saber o que tantas experiências poderiam me ensinar. Sentindo-se feliz pelo namorado, numa relação de apoio mútuo, ela me disse: “respeitar sempre a pessoa que tá do seu lado, analisar sempre se é uma mulher boa. E estudar muito, muito, muito (…) nada do que a gente lê é perdido.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 
© 2012. Design by Main-Blogger - Blogger Template and Blogging Stuff