Pages

  • Twitter
  • Facebook

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Capítulo I: A primeira voz

Um comentário:
 
Das vezes que nos defrontamos com nós mesmos na vida e reservamos um tempo para olhar o mundo a partir da perspectiva mais humana é que surgem as ideias que transformam, as ideias que unificam aquilo que nunca deveria ter sido separado. Foi assim que, em meio a pensamentos e angústias, resolvi me encontrar com os mais afetados pela indevida separação. Essas pessoas não são difíceis e tampouco raras de se encontrar; às vezes basta atravessar uma rua ou simplesmente olhar para fora da janela de casa.
No meu caso, fui a um dos lugares mais movimentados da cidade de São Carlos (e provavelmente de quase todas as cidades): a rodoviária municipal. Lá estava ele sentado no chão, mal vestido e claramente cansado pelo calor do dia e pelos anos de vida que se revelavam na pele sofrida. Aproximei-me daquele senhor e lhe ofereci algumas esfihas que havia comprado. Feliz com a única refeição do dia, o homem logo se sentiu a vontade e permitiu que conversássemos.
Carlos é descendente de índios Guarani, tem 51 anos (ou “meio século e um”, como ele disse) e naquele dia estava só de passagem pela cidade, pois mora em Ribeirão Preto, mesmo município que sua família, embora esta estivesse bem acomodada. Ele trabalha como pedreiro e sabe fazer artesanato, mas disse estar afastado por problemas de saúde. As ruas se tornaram seu lar desde 1986, quando resolveu sair da casa dos pais em razão de um desentendimento com o irmão. Lembrava com tristeza desse dia e das palavras do pai: “se você sair de casa, nunca seja mais do que ninguém, mas também não seja menos. Seja você mesmo.”.
A saudade da família junto ao preconceito e às dificuldades diárias por que passa nas ruas traz lágrimas aos olhos do Carlos. Quando lhe perguntei da maior dificuldade de morar nessas condições, ele logo disse “dormir no chão”. Reclamou das formigas, das baratas, da dor no corpo. “As pessoas só querem tirar o que você tem”, alegou ao relatar dos roubos que sofrera. A maldade das pessoas foi constantemente denunciada por Carlos, pessoas que julgam, apontam e “falam tudo o que você não é.” “Só sabem justificar o mal pra você”.
Perguntei a ele que se pudesse fazer qualquer desejo, qual seria. Sua resposta foi tão humilde quanto sua vida: “Que me desse um cantinho pra mim ficar em paz, pra mim trabalhar sossegadinho. Que Deus preparasse uma esposa pra mim.”
E das outras palavras que se seguiram, preocupadas em me aconselhar a nunca sair de casa, Carlos disse que o Diabo vive nas ruas e por isso é necessário constante vigilância. A religiosidade se fazia presente no discurso daquele homem, alertando os males da mentira e do medo.

O morador de rua é invisível e mudo diante da sociedade. E sua condição de marginalizado é alimentada a cada olhar desviado, a cada dedo que julga a cada palavra que condena. Uma realidade de muitos Carlos que pelo mundo vagam. Meu intuito começa simples: dar visibilidade e voz aos que são calados. Aonde isso vai dar, não sei. Mas a diferença deve partir de algum lugar…

Um comentário:

  1. Perfeito, Magnifico (Aplausos!!) Com certeza após ver esse capitulo vou continuar e ver os outros.

    ResponderExcluir

 
© 2012. Design by Main-Blogger - Blogger Template and Blogging Stuff